Preso, investigado por participar de grupo de extermínio mandou áudios para comparsa, diz MP: 'Quer viver do crime e não quer a fatura'
17/05/2025
(Foto: Reprodução) "Uns se dão bem a vida inteira. Para outros, o castigo vem primeiro", diz André Costa, conhecido como Boto. O destinatário, o PM Bruno Marques da Silva, está foragido após ser alvo de operação contra o denominado 'Novo Escritório do Crime'. Cartaz com o rosto de Boto após a harmonização facial na época de sua prisão, em 2021
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Nas escutas da operação contra um grupo de extermínio chamado de "Novo Escritório do Crime", o criminoso André Costa Barros, conhecido como André Boto, diz que um dos integrantes da quadrilha só quer os benefícios da vida do crime.
Boto é apontado por investigações como ex-chefe de milícia em Jacarepaguá. Ele está preso desde março de 2021, depois de fazer uma harmonização facial para fugir da polícia.
Em um áudio interceptado de outubro de 2021, quando já estava preso, Boto diz que Bruno Marques da Silva, conhecido como Bruno Estilo, precisa saber que "a vida do crime tem um preço":
"Uns se dão bem a vida inteira. Para outros, o castigo vem primeiro. Eu estou ganhando meu dinheirinho, mas estou pagando pelo meu erro. Correto? Tu quer viver do crime e não quer a fatura, só quer o cartão de crédito. A fatura é essa aí parceiro", diz Boto.
André Boto antes da harmonização facial
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Em outro momento, Boto dá a Bruno mais detalhes sobre sua relação com Thiago Soares Andrade Silva, que é chamado pelos integrantes do grupo como "Batata" ou "Ganso". Ele deixa claro que fez a aliança com Thiago e que sempre foi beneficiado com o movimento:
"É um jogo de xadrez. O crime é complicado pra car*lho. Então querendo ou não, todo mundo que é inimigo do cara também é meu inimigo. Porque momentos bons eu soube desfrutar dele. Se o cara falar que 2 + 2 é 8, é 8. Pula de qualquer altura com ele mesmo"
Para o MP, é nítido que os membros da quadrilha respondem a Thiago. Mesmo da cadeia, para onde foi levado posse de arma de uso restrito e está preso desde 2023, Thiago ditava ordens para os comparsas. Ele teria sido o mandante dos dois homicídios investigados pelo MPRJ:
Fábio Romualdo Mendes, surpreendido dentro do carro e atingido por vários disparos, em setembro de 2021, em Vargem Pequena, Zona Oeste do Rio.
Neri Peres Júnior a tiros de fuzil, em 4 de outubro de 2021 em Realengo, também na Zona Oeste.
Investigações da polícia e do MP apontam que Thiago trabalhava para o bicheiro Rogério Andrade. O grupo de extermínio teria surgido a partir do racha entre integrantes de sua segurança.
Thiago Andrade Silva, o Batata, é apontado como líder da organização criminosa e ligado ao bicheiro Rogério Andrade.
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Conversas entre PMs
Veja diálogos entre PMs suspeitos de integrar 'Novo Escritório do Crime' no Rio
O policial militar Bruno Marques da Silva, um dos alvos de uma operação desta quinta (15) do Ministério Público do Rio de Janeiro, desabafou em conversas com outros integrantes de um grupo de extermínio que estava trabalhando demais para a organização criminosa. No entanto, disse que tinha um objetivo por trás das "horas extras":
Bruno Marques da Silva, o "Bruno Estilo"
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"Não tô vivendo mais não. Às vezes eu deixo de marcar minhas coisas, de resolver minhas coisas porque p&rra, eu marco um bagulho e aí toda hora tem missão. A meta é ficar milionário!”, diz ele, em um dos áudios de conversas interceptadas pelo MPRJ".
Em outro trecho, quando reclama de integrantes de uma milícia rival, Bruno, apelidado de "Bruno Estilo", diz orgulhoso:
"Sou milícia e sou polícia, fod**e eles", diz o homem.
Em um dos áudios, Bruno cita uma execução feita em Realengo, o que para o MP indica que ele pode ter se referido ao caso de Neri:
"Viu o maluco que a gente pegou ontem? Viu? Lá em Realengo. Se eu soubesse disso naquela época eu tinha ido mais vezes, ia ganhar muito mais", afirma ele.
Segundo as investigações, o grupo atuava nos moldes do antigo grupo de extermínio liderado pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega.
Veja a lista dos denunciados:
Thiago Soares Andrade Silva, vulgo "Batata" ou "Ganso", já preso
Alessander Ribeiro Estrella Rosa, vulgo "Tenente Alessander", foragido
Bruno Marques da Silva, vulgo “Bruno Estilo” ou “Estilo”, já preso
Diogo Briggs Climaco das Chagas, vulgo “Briggs”, foragido
André Costa Bastos, vulgo “Boto”, já preso
Rodrigo de Oliveira Andrade de Souza, vulgo “Rodriguinho”, já preso
Anderson de Oliveira Reis Viana, vulgo “Papa” ou “2P”, foragido
Diony Lancaster Fernandes do Nascimento, vulgo “Diony”, já preso
Vitor Francisco da Silva, vulgo “Vitinho Fubá", foragido
Todos os alvos foram denunciados à Justiça por organização criminosa armada, sequestro e comércio ilegal de armas de fogo e munição — materiais apreendidos em operações eram, segundo o Gaeco, vendidos clandestinamente.
Diálogo com vítima de sequestro
Segundo as investigações do Ministério Público, Bruno praticava sequestros a mando da organização criminosa. Um dos sequestros descobertos pelo MP foi de um integrante de uma milícia rival. Bruno colocou o homem encapuzado dentro de um carro e só o libertou depois de fazer uma série de ameaças:
"Que que tu vai falar quando chegar em casa pra tua família? abre a boca e fala!"
"Vou falar pra ela que eu tava devendo um agiota, consegui pagar ele", respondeu a vítima.
"Vai ficar boiando? se tu boiar que que vai acontecer contigo? "
"Vou morrer", pontuou.
Outros crimes
Além de homicídios e sequestros, o grupo também praticava venda de armas e munições. Alguns dos principais negociadores do grupo eram policiais, que revendiam os itens que eram levados em grandes apreensões das polícias civil e militar.
"O cara está querendo 40. Tá com uma (pistola) glock .40, uma pistola e uma (metralhadora) uzi (de fabricação israelense)", diz Bruno em uma das escutas feitas pelo MP.
Ele cita o cabo Diogo Briggs, do 9º BPM (Rocha Miranda), que também foi alvo da operação e está foragido.
"Eu acho que tu pegou a pistola dele uma vez, mano. Ele é aqui do 18, cara, é o Briggs. Tá me dando várias moral, vendendo várias paradas", afirmou Bruno sobre Briggs, homenageado pelo então vereador Felipe Michel na Câmara do Rio com uma moção de louvor em 2024.
Gaeco faz operação contra novo escritório do crime no RJ
Outro foragido, o capitão Alessander Ribeiro Estrella Rosa, do 39º BPM (Belford Roxo), também vendia armas, segundo o Ministério Público. Ele foi homenageado por um deputado federal e pelo governador Cláudio Castro em 2024 e 2023, respectivamente.
Em nota, o deputado federal afirmou que "a indicação se baseou em critérios técnicos e resultados operacionais", e que seu mandato "reafirma o compromisso com a segurança pública, a legalidade e a apuração rigorosa de qualquer conduta incompatível com a ética e a lei."
À TV Globo, o governo do Rio afirmou que "a concessão da medalha por 10 anos de serviços prestados foi criada por decreto em 1979 e a listagem com os nomes dos agraciados é encaminhada ao Poder Executivo pela Polícia Militar. A assinatura do ato de concessão, com a publicação dos nomes em Diário Oficial, é uma formalidade exigida pelo decreto.
Procurada, a assessoria da PM afirmou que deu apoio à operação e que um dos policiais procurados já estava preso.
Procurado, Felipe Michel disse que "a moção ao policial não foi entregue, apesar de protocolada, e será pedido o cancelamento".
O Escritório do Crime ‘original’
O Escritório do Crime “original” era um grupo formado por policiais militares e ex-policiais, especializado em assassinatos por encomenda, que atuou principalmente na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Os matadores utilizavam técnicas avançadas de planejamento, aprendidas dentro das forças de segurança, para executar suas ações de forma precisa e dificultar investigações.
Desde 2009, há pelo menos 13 assassinatos em que os integrantes do Escritório são suspeitos de participação. A quadrilha se envolveu ainda em grilagem de terras, construções ilegais e exploração imobiliária clandestina.
O grupo foi chefiado por Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Bope, e pelo major da PM Ronald Paulo Alves Pereira. Ambos foram alvos da Operação Intocáveis, que visava a desarticular milícias no Rio de Janeiro.
Após a morte de Adriano em 2020, o comando passou para os irmãos Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, e Leandro Gouvêa da Silva, o Tonhão. Em 2023, ambos foram condenados a 26 anos e 8 meses de prisão pelo assassinato do contraventor Marcelo Diotti da Mata, ocorrido em 2018.